sexta-feira, 23 de julho de 2010



Abraça tua loucura antes que seja tarde demais — ele disse, e seus olhos tinham a cor do mar. Tinham a cor exata de quem por muito tempo, todas as horas, todos os dias de muitos meses e anos, olhou detidamente o mar, acompanhando o vôo das gaivotas, interrompendo-se em rochedos, nivelando-se ao movimento incessante das ondas. Verdes de um verde movediço entre o denso do vidro e o suave da hortelã recém-plantada, líquidos como água móvel, interior de gruta, rasos de pedras claras. Visíveis, os olhos vivos do marinheiro me olhavam molhados pela chuva, vértice de um novo movimento para onde eu convergia inteiro.Para olhá-lo, também eu precisava de certa loucura. Essa, que me indicava. A mesma a que me tenho negado em susto, atravessando cotidianos de monótonos côncavos deliberados, movendo-me pelos labirintos coloridos desses interiores sempre previstos, embora absurdos. Não havia sol naquela tarde, nem cores caindo sobre os objetos. Eu não estava distraído nem tinha disfarce algum quando ele me olhou. Ele não tinha nenhum disfarce quando eu o olhei. Mas não devia me permitir escorregar naquele mergulho de peixes quem sabe vorazes, isso só compreendo agora, e com esforço, sete dias depois de sua partida, uma garrafa de vinho tinto, a chuva se foi, restaram o frio e a umidade que amolece papéis e vontades, aberta ao lado da janela escancarada para a noite enorme lá fora, onde ruge uma cidade estufada de rumores e procuras. Preciso dizer neste momento, embora talvez não caiba aqui. Ainda que me tenha isolado assim drástico, ainda que elabore dentro de mim e da casa pacientes, irrefutáveis justificativas para ter cerrado as portas ao de fora, o humano que afastei através dos vidros coloridos, esse humano dói, palpita, ofega, tem ritmos suarentos fora de mim.À minha frente, porta entreaberta, gotas da chuva caindo sobre sua roupa branca como se eu tivesse acendido uma vela com o pavio voltado para baixo, o marinheiro me olhava.— O quê? — perguntei. Só compreendo agora, talvez não pudesse aceitar o convite. Perguntei como quando você diz acho que vai chover ou está frio hoje, ou me dá um cigarro, qualquer outra coisa assim sem importância, pressupondo que eu e ele nos movimentaríamos ainda segundo os ritmos mecânicos, na dança urbana dos passos ensaiados de além dos vidros pintados de roxo-amarelo. Mas ele repetiu claro:— Abraça tua loucura antes que seja tarde demais.— De onde você veio? — perguntei ainda, a mão na porta me separando dele.— Vim da tua visão anterior — ele afastou as tiras coloridas que pendiam da porta. Gentilmente, mas seguro, afastou também meu braço, não como se pedisse licença para entrar num lugar que não lhe pertencia, mas ocupando o espaço que lhe era destinado. E repetiu: — Venho de tua visão imediatamente anterior a esta de agora, embora eu não seja uma visão.— Quando eu descia as escadas?Fechei a porta às suas costas.— Quando você descia as escadas. Daquele navio atracado na baía. Aquela de areias brancas ofuscantes, a praia daquela baía, naquela ilha. Você não viu que daquela praia partia uma estrada, subindo pelas rochas até o farol?Perguntei se não queria sentar.— Estou muito molhado — disse, afastando um monte de palha para ajeitar-se entre algumas almofadas. Tinha pernas longas, sapatos cobertos de uma lama escura onde havia alguns talos de grama grudados, vi quando estendeu os pés, eu parado no espaço à sua frente.— Você andou na grama?— Andei. Logo após a areia branca da baía, havia uma grama alta. E mais adiante, um rio.— E você viu então uma cobra deslizando entre juncos, na beira do rio?— Sim, uma cobra verde. Dessas que não fazem mal a ninguém.— Você a matou?— Não mato o que não ameaça. Nem o que vive. Eu apenas passei.— E a ave? Viu também a ave?— Estava no meio do caminho. Me limitei a afas tá-la.— Segurando naquele ponto exato onde as asas encontram uma com a outra?— E onde mais? — puxou o cachimbo do bolso, com a mão direita. Bateu-o três vezes, boca para baixo, contra a palma da mão esquerda. — Apanhei muita chuva. Tem alguma bebida forte?— Os marinheiros costumavam beber rum — eu disse, enquanto ele levantava a mão espalmada em frente ao meu rosto. Era uma mão grande, morena, forte, cheia de veias azuis salientes pelo esforço, as bordas externas cobertas por uma vaga penugem escura.— Isso é lenda — de um pacote de fumo tirado do outro bolso ele enchia lentamente o cachimbo. Teve uma espécie de sorriso. Um brilho de ouro no fundo de sua boca, eu vi. — Bebo qualquer coisa. Desde que seja forte.Entrei pelo pequeno corredor para ir à cozinha apanhar a garrafa de conhaque. Havia como uma vertigem na minha cabeça, mas meus gestos eram precisos. Atravessei o corredor, a segunda sala, alcan1 cei a cozinha, onde tirei de um armário a garrafa e F dois cálices. Eram cálices perfeitos, desses levemente ovalados, a boca mais estreita que a base bojuda. Tenho uma bandeja azul, não é uma bandeja especial, mas é bonita, de vidro azul, e brilha, sobre a qual dispus a garrafa com os dois cálices. Em certos dias de luz como aquele sábado não era, costumo colocar a bandeja azul ao sol, quando há, para que sua cor reflita os raios amarelos. Mudam de cor, dançam, circulam pela casa toda, pelo pátio, rebrilham, os raios. Com a bandeja nas mãos, voltando à sala, queria dizer a ele que estava atravessando a casa com o melhor que tinha nas mãos: uma bandeja de vidro azul, uma garrafa de conhaque e dois cálices perfeitos.Cruzava de volta a segunda sala, depois o corredor, quando me chegou uma nova visão. Ela não voltou, depois que ele se foi. Portanto o que tive daquela visão foi apenas o que houve naquele momento.Atrás de uma janela de vidraças divididas em vários pedaços miúdos estava o rosto de uma moça. Ela tinha uma das mãos, talvez a esquerda, aberta e apertada contra a vidraça. O outro braço suponho que estivesse caído ao longo do corpo, porque de onde estava não conseguia vê-lo. Uma franja espessa cobria sua testa, e entre o cabelo cortado na nuca e o rosto lavado eu podia ver um brinco cintilando. Um único brinco longo talvez com uma pérola ou um diamante suspensos na extremidade de um fio de ouro, e de alguma forma o sol ou outro tipo de luz, não das estrelas, porque não seria suficiente, embora bonito, devia bater contra a vidraça, pois a ponta do brinco, a pérola, ou a esmeralda, ou o diamante, ou o rubi, cintilavam, estrela mínima de sete pontas. Prefiro pensar agora que era um rubi, tinha brilho vermelho como de um Cristo flagelado que vi certa vez num museu, faz muitos anos. Chorava, o Cristo. Essa lágrima de sangue era um rubi. Do lado direito da boca da moça, um leve vinco, como esses de quem apenas tem vontade de sorrir ou por alguma razão precisa esconder uma espécie de divertida amargura. Mas no canto esquerdo, havia apenas dureza. Ou vazio. Ou nada disso, não importa.Fui me libertando aos poucos da visão. Como quem atravessa uma cortina de contas penduradas, dessas que se enovelam no corpo, com movimentos brandos, de ombros, cintura, pescoço, aos poucos os fios se desembaraçando dos membros. Um dos olhos dela sorria cúmplice. O outro criticava, cínico. Quando depositei a bandeja azul aos pés dele — tinha descalçado os sapatos, sustentava o calcanhar de um dos pés sobre os dedos do outro, as mãos cruzadas atrás da nuca —, perguntou servindo-se:— Quem era ela?— Ela quem?— A moça na janela.Eu me acomodei nas almofadas à sua frente. Minhas pernas ficaram estendidas ao lado das dele. Devagar enchi nossos cálices. Não tínhamos pressa. Estava anoitecendo. Chovia. Era sábado, era novembro. Atrás de qualquer palavra que disséssemos havia outras mais tranqüilas, porque tínhamos conseguido atravessar quase mais um ano inteiro — eu, ele, todos —, e tinha sido duro, mesmo que nem eu nem ele nem ninguém depois de um tempo fôssemos capazes de distingui-lo especialmente dos anteriores, tão iguais a esse que passava. Mas estávamos ali, como dois sobreviventes — para usar a linguagem que ele provavelmente teria, se falássemos disso — de um naufrágio. Ou para usar a minha própria linguagem, essa de gente que vive amontoada entre outras gentes, mesmo quando se retira, porque a vida incha lá fora, invadindo as janelas fechadas, sobreviventes de uma série descolorida de fracassos iguais e mesmas tentativas, idênticas queixas, esperas inúteis, mágoas inconfessáveis de tão miúdas. Eu podia falar lento, deixando o que dizia escorregar da garganta para a língua, da língua em movimento contra o céu da boca para os lábios, que com o ar soprado entre os dentes formaria palavras um pouco ao acaso, sem muita importância, dizendo coisas como:— A moça. A moça na janela.— Sim, a moça na janela — bebeu mais um gole, me olhou atento.— Eu a tive um dia — fui dizendo sem dificuldade, exatamente como previra. De algo profundo como o estômago ou os intestinos subia pelo peito, atravessava longos canais escuros, atingia a língua, debruçava-se sonoro, quem sabe incompreensível, para o outro. Era assim, conversar, fui redescobrindo enquanto contava:— Não sei se era ela. Uma moça pálida. Tinha algumas sardas nos ombros. Essas manchas castanhas, às vezes avermelhadas. Ela as tinha, nos ombros. Sei porque via sempre seus ombros nus. — Toquei no pé dele, as meias brancas molhadas de chuva. — Eu a tocava assim, nos pés. E apertava. Ela sempre me sorria. Gostava de pintar a boca de vermelho forte. Você consegue imaginá-la? Muito branca, aquelas sardas nos ombros, a boca pintada de vermelho forte. Gostava de vestir-se de preto, também. Embora eu costumasse dizer que não era bom, absorvia vibrações, todas as vibrações, as energias. Boas, más, todas. Então a boca pintada de vermelho forte vivo ressaltava ainda mais. Qualquer coisa vermelho vivo, a boca, entre o preto do vestido e o branco da pele.Ele tornou a encher o cálice.— Você gostava dela?— O que é coisa, gostar?—Você sabe.— Acho que sim. Embora não parecesse. Tanto, tanto tempo.Bebi mais. Que não tinha importância. Gostar, o passado, a moça, os pés. Eu não podia ter memórias. Acho que disse isso em voz alta. Ou não era preciso, porque ele falou:— Por que não ter memórias?Os buracos negros, eu quis dizer. Mas fiquei quieto, desejando apenas ter um disco qualquer de cítara tocando para que nesse momento pudéssemos interromper a conversa para prestar atenção num acorde qualquer entre duas cordas, mais um silêncio que um som. Sempre podíamos ouvir a chuva, seu bater compassado na vidraça. Ou acompanhar com os olhos as gotas escorrendo atrás do roxo e do amarelo. De pontos diferentes, às vezes duas gotas deslizavam juntas para encontrarem-se em outro ponto, formando uma terceira gota maior. Mas talvez ele achasse tedioso esse tipo de diversão.— Ter memórias — repeti.Mas não era aquela moça, nem aquela a tarde, que tudo que foi de mim perdeu-se no inatingível centro obscuro desses buracos. Começava a ficar tonto com a bebida. Quis dizer a ele que a cidade não tinha mar, que eu apenas pretendia pintar a segunda vidraça de baixo para cima, para que os vizinhos não conseguissem espiar a minha vida. Quando pensei nisso tive a sensação esquisita de estar girando dentro e junto com uma agitada roda colorida. Subia e baixava — eu, a Roda da Fortuna — nos braços às vezes de um demônio sombrio vestido de negro, às vezes de um arcanjo dourado, em susto, em prazer, em nojo, em delírio. Quis dizer a ele que me havia afastado assim para que a Roda rodasse distante de mim, sem me envolver em seus volteios vertiginosos.— Vim de longe — ele disse. — Eu vim de fora de ti.Quis dizer-lhe ainda que longe estava eu, embora na rua de casas lado a lado, apertadas umas contra as outras feito pessoas com frio, mas por algum motivo precisei levantar. De repente fiquei no meio da sala, o cálice cheio numa das mãos, a outra solta no ar, esboçando um gesto que não era capaz de fechar.Ouça, tentei.E não sabia como continuar. Passa-me agora pela cabeça que os vizinhos poderiam reclamar das luzes nas janelas escancaradas, da energia excessiva saindo pelas janelas escancaradas. Bêbada, confusa, farpada. Mas não consigo me deter. Embora não conheça o ponto onde devo chegar, é para lá que me dirijo cego, aos trancos. Pouco importa o que poderia me afastar desta tentativa quem sabe inútil de recuperá-lo, ou o que trouxe consigo desde que veio e se foi. Perdi meu equilíbrio quando veio, e mentia meu equilíbrio antes que viesse.Olhava para mim, ali estendido sobre almofadas. Um vinco, eu via atentamente, um vinco partindo seu lábio inferior, quase emendado com outro que subia da extremidade do queixo até a borda do lábio inferior, onde o vinco anterior unia os dois num só, duas gotas de chuva se encontrando. Acho que o aceitei inteiramente nesse momento, ao perceber os contornos do rosto que me olhava com estranheza, como pedindo explicações ou tentando explicar a mim mesmo para mim, que não me via.— Você tem grades nos olhos — disse. Acendeu o cachimbo. Um perfume adocicado misturou-se ao cheiro de mar. — Elas estão quase sempre abertas. Não são suficientemente estreitas para prender alguém ou alguma coisa. Houve um dia em que você deixou alguém fugir por entre as grades.Voltei a sentar. Lembrei do segundo quarto no andar de cima. Cruzei as pernas na frente dele. Queria vê-lo melhor, embora já o tivesse visto. Um marinheiro, confirmei sem compreender. Tirara os sapatos, o chapéu, vestia-se de branco, estava deitado nas almofadas à minha frente. Então transformou-se. Sei que é brusco dizer assim, mas foi exatamente assim. Gostaria de ter certeza de que realmente o vira deitar alguma coisa como um pó ou comprimidos na minha bebida, tisanas, antes de transformar-se. Mas não seria verdadeiro.Eu estava um pouco tonto. As luzes da rua tinham começado a acender. Anoitecia. O roxo-amarelo dos vidros ganhou um brilho artificial quando me levantei para acender a vela no castiçal de cerâmica. Tenho horror a essas luzes que desvendam os poros abertos das pessoas, revelando sujeiras escondidas, mesmo que há muito tempo não as veja. Protegi a chama entre as palmas das mãos, mas quando me voltei para perguntar-lhe qualquer coisa como o que ou onde ou quando ou quem — ele era um grande gato cinzento me olhando com olhos verdes sobre a almofada cor de vinho. Espreguiçou-se lento, curvando as costas enquanto alongava à frente a pequena pata de unhas distendidas para depois cravá-las superficialmente, com tédio, com distraído gozo, na carne da almofada. Quando tornei a me abaixar, debruçando-me sobre ele, roçou o dorso quente contra as costas frias da minha mão. Apertei as frontes e os olhos com a outra mão. Ao retirá-la, o marinheiro me olhava.— Tive outra visão — eu disse.— Não foi uma visão. Sou muitos. — Sorriu. — Onde é o banheiro?Acompanhei-o escada acima. Pelo corrimão, podia ver: aquela mão saindo de sob a manga branca era a mesma que segurava as asas da ave no ponto onde se uniam. Escurecia. Quis avisá-lo de que passaríamos pelo quarto vazio, e me debati, asas seguras no limite da entrada, tentando dizer-lhe que tinha sido ali. Então olhei para dentro e vi um anjo de grandes asas brancas e pés descalços sobre o piso riscado.— Me olhas com olhos tristes — eu disse.— Porque já me fui e nada do que poderias fazer agora eu conseguiria fazer novamente, então sinto pena — disse o anjo fechando as asas sobre o rosto magro.Pairava sobre brasas incandescentes espalhadas pelo piso do quarto. Para não pisá-las com seus pés brancos precisava agitar as asas com algum esforço, mantendo-se em levitação, acima do fogo. Ele batia as asas suspenso sobre as brasas, um pouco ridículo. Tive vontade de rir, mas como uma ventania súbita tivesse invadido a casa, eu disse que tinha velas e mostrei a porta do banheiro.Conhecia aqueles ventos. Armavam-se de repente além do contorno dos edifícios que eu via da janela do segundo quarto, depois desabavam paredes adentro, soprando por todos os cantos os fiapos dos montes de palha, as contas, as tiras coloridas. Dentro do banheiro havia uma moça de ombros nus cobertos de sardas, olhos pintados de preto, boca muito vermelha, seios expostos como duas pêras maduras, as pontas levemente avermelhadas de onde sobressaía o bico mais escuro que devia prendê-los à árvore. Quis tocá-los. Cheguei a estender a mão. Foi quando vi a cauda úmida de peixe emergindo da banheira para elevar-se, verde brilhante escamoso contra os azulejos brancos. Ela sorria para mim, sereia, me convidando, Ulisses. Como uma visão, mas eu sabia que não era nenhuma das imagens libertadas do buraco negro da memória. Quando tentei tocar seus seios claros, respingados de sardas, senti o vento das asas batendo do anjo preso no segundo quarto a me comprimir contra a parede de corredor estreito, e logo depois o interior sedoso de uma capa negra com dois caninos agudos de vampiro dentro de lábios descorados abertos num meio sorriso, aproximando-se lento das veias da minha garganta. Quis senti-lo assim, macio assassino penetrante agudo suculento afundar os caninos na minha carne. Cheguei a inclinar de leve a cabeça sobre o ombro, oferecendo o pescoço para que me tivesse mais fácil.O vinho está quase no fim. A manhã vem vindo, não sei se conseguirei continuar contando. Naquele momento meu sangue escorreria para dar-lhe vida, essa mesma que não sei para onde levo, entre tantas quinas. Sinto frio, me debruço. O hálito gelado dele se aproxima das minhas veias, mas basta que eu suspire para que se transforme num cãozinho miúdo, inofensivo, descendo os degraus em direção à sala. Afago-o com as pontas distraídas dos dedos, manchas pretas sobre o dorso branco. Reconheço, estou em desequilíbrio, estou me distanciando cada vez mais. Faço este esforço até quem sabe alcançar um ponto tão remoto que não saberei jamais encontrar o caminho de volta, se existe um, e penso que não.Ao pé da escada ele me espera, braços abertos, parado sobre o tapete. Tem o peito largo, sinto, ao afundar de encontro a ele essa parte minha sem forma a que acostumei chamar de face, seus braços podem dobrar-se apertando minhas costas enquanto sinto seu cheiro, esse cheiro espesso de sal, algas, corais, medusas, águas-marinhas. Quero perder-me nele, como o que nunca terei, mas quando fecho também meus braços em torno de suas costas, aproximando-o de mim para que nossos dois corpos se confundam, para que nossos cheiros se misturem, para que pelo menos por um segundo sejam, eu, ele, uma coisa única, minhas mãos apertam o caule estreito e áspero de uma palmeira. Um vento qualquer faz com que seus galhos balancem. Quando balançam então é como se eu visse o céu, planetas, cometas, constelações, objetos não-identificados, essa palmeira nua estendida contra um céu cheio de estrelas, lunar crescente às tuas costas, quero dizer, Aldebarã logo abaixo, Vega à esquerda, Arcturus acima, basta estender a mão. Resta no ar o sal perdido de uma distante maresia, no limite dos dedos, e em cada uma das extremidades uma estrela de sete pontas iluminadas, dez rubis incendiados como a lágrima na face do Cristo que perdi no dia em que a luz cessou.Na base da escada, no centro da sala. Anoiteceu. Encosto o topo de minha cabeça de ralos cabelos contra o tronco seco da palmeira. Depois choro. Quase sem som. Como nas canções de miúdos arquejos, um estremecimento que faz o peito vibrar, elevando-se até os ombros. Sobe pela garganta, atinge os lábios, alcança a testa comprimida contra a palmeira como se quisesse ferir ou perfurar a si mesma. Ergo meus braços. Mesmo na ponta dos pés não consigo alcançar as palmas altas que balançam ao ritmo do vento vindo talvez de outras terras, mas certamente do mar presente nesse ar salgado que me faz contrair os olhos como antes, quando descia as escadas para abrir a porta.Eu estava parado no patamar da escada quando ele me disse:— Tenho sete formas. Navegue.Abraçou-me. Tinha cheiro de mar. Do mar que não há nesta cidade.Pedi que ficasse, como não ficou o outro. Mas não o suportaria, acrescentei a seguir. Sorriu. Como se nada do que eu pudesse dizer fosse capaz de modificar sua partida. Ainda chove, tentei dizer. Não importa, será melhor assim, repetia sua mão estendida. Passou-a devagar na minha face. Eu era uma coisa pequena, rastejante e sem Deus, caminhando no escuro lamacento à procura apenas de qualquer gesto como o toque de uma mão humana, devagar na minha face. Ele tocou. Calçou os sapatos, apanhou o chapéu. Eu quis dizer que poderia ocupar o segundo quarto — a segunda cama, a segunda vida — talvez para sempre. Eu estava tão vivo que qualquer outra coisa também viva e próxima merecia minha mão estendida, oferecendo. Estendi a mão. Ele não podia acei tá-laEu não devia estendê-la.— O navio demora pouco no porto — disse antes de partir. — Um marinheiro desce, olha a terra, às vezes deposita algo, e logo torna a partir.Seus olhos tinham a r do mar. Tinham a cor exata de quem por muito tempo, todas as horas, durante todos os dias de muitos meses e anos, olhou detidamente o mar. Conquistara esse verde móvel, inquieto, esse vagar. Tocou de leve minha mão estendida. E se foi. Ainda chovia. Fechei a porta às suas costas. Por entre os roxos e amarelos da pequena vidraça vertical, podia perceber a silhueta de alguém se afastando. Dentro de uma noite de sábado, não de agosto. Era novembro. Bebi outro gole de conhaque. Fui escorregando para o fundo, no meio das almofadas. Amanhecia. Na casa em frente, os ruídos tinham silenciado. Seria um longo domingo. Não estava triste, mesmo assim recomecei a chorar enquanto ouvia outra vez o aviso guardado para sempre na memória das paredes:— Abraça tua loucura antes que seja tarde demais.

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Conceitos, sentimentos, afazeres
Culpa, consentimento, deveres
Impositores forçam a goela baixo
Verdades improvadas

Drinks, drogas e vida
Fuga, prazer e morte
Contam com tanta sorte
Pra aquecer a cama fria

Os corpos não somos nós
Os assassinos sim somos
Educamos deseducando...

Amem, matem e morram
Essa é a condição de seu mundo
Mude se conseguir.

Mas por aqui, só ocorrerá
Essa mudança
se eu me permitir...

terça-feira, 20 de julho de 2010

Homossexualismo...



Em regra geral significa pessoas do mesmo sexo, REGRA GERAL, por que em tal contexto esse termo não fica bem, de igual forma o termo ‘OPÇÃO SEXUAL’. Os homoeróticos não escolhem, não tem uma ‘opção’ é algo acima de uma simples escolha, é mais um instinto, uma existência. Acima de qualquer preconceito e qualquer ignorância sobre tal assunto, é bom que se analise que são seres humanos que amam e sentem como qualquer um de nós, não é por que se sentem atraídos por pessoas do mesmo sexo que devem ser discriminados, isso é crime, além de ser antiético. Os homoeróticos desde os tempos mais remotos são discriminados por sua ‘opção’, porém estamos no século 21, somos seres evoluídos e capazes de respeitar as diferenças, as caverninhas e os dinossaurinhos acabaram amores. É hora de se pensar em respeitar o outro seja lá qual for sua ORIENTAÇÃO SEXUAL, o que se faz entre paredes não é de interesse nem meu, nem seu e nem da sociedade, de igual forma um casal hétero não divulga suas relações, um homoerótico não tem que divulgar. O que acontece é que além de homoeróticos, existem vários que são alarmantes (sem generalizar), tem de expor sua ORIENTAÇÃO, isso também não deve ser feito, um hétero não anda com uma placa nas costas escrita ‘SOU HÉTERO’.O que deve ser feito para que haja uma convivência no mínimo racional é ter bom senso, tratar o homossexualismo como uma orientação, não uma doença ou algo do gênero, aprender a respeitar para ser respeitado. Tenho amigos que são homo e são pessoas maravilhosas, que sei que me amam muito mais que qualquer amigo, por que são verdadeiros com os outros e consigo mesmo... 
Não tem que ser um simpatizante, mais também não tem o direito de ser preconceituoso.
‘Felicidade esta acima do sexo, raça ou cor, ser homo ou hétero, vai de pessoa a pessoa, coração a coração, ser feliz como você é, isso é se aceitar se aceite, talvez seja esse o primeiro passo a se dar’.
Em meio a tudo tão preto e branco ser colorido é ser legal, - Simpatize com o respeito!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Tacando o F.....



" Quando não se tem mais nada a perder, só se tem a ganhar. Quando se para de pedir, a gente está pronto para começar a receber. O futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda. De qualquer forma, um dia seremos poeira. Quem é você? Quem sou eu? Sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. Você tem seus jeitos de tentar. Eu tenho os meus. "

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Silêncio...



Muitas vezes o meu silencio é tudo que tenho. Isso não me preocupa, pelo contrário, me agrada. Adoro calar, pra mim é tão essencial quanto respirar é saber o momento de calar. E se escutar. As vezes não conseguimos ouvir a nossa própria voz em meio a tanta confusão, e a resposta pode ser tão simples, basta calar-se que você pode encontrá-la.

Eu não acho ruim quando não tenho todas as respostas, e não me incomodo em ser confusa. I’m really a mess! But I dont mind, I dont mind at all. Gosto de fugir em mim, e não ligo realmente se todos me entendem ou não. Creio que muitas vezes é necessário mais que um olhar e muito mais que mil palavras pra dizer-se, mas na falta delas, calar é inevitável. Não que isso tenha necessariamente que ser algo bom, ou ruim. Apenas é. E, sendo, existe ali para me satisfazer e me acolher no meus momentos de (im)precisão.

domingo, 11 de julho de 2010

Palavras sem sentido...




Descobre que se levam anos para se construir confiança e apenas segundos para destrui-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida. Essa é a diferença em mim, Não me arrependo de nada do que fiz até este momento da minha vida. E aguento as conseqüências em silencio.

Confesso que minha auto - estima está beirando o chão.

Confesso que gostaria que a minha mente tivesse um botão ON/OFF .. e o coração também.

Confesso que esse remedinho que estou tomando pra ansiedade já não faz mais efeito.

Confesso que tenho vontade de sair, mas só de pensar no social ... me dá angústia!

Confesso que estou igual à fumaça de cigarro... Poluidora, incomoda e muito perigosa.

Confesso que gostaria de matar umas quatro pessoas hoje.

Confesso que sou uma cópia mal feita de mim mesma.

Confesso que estou adiando coisas urgentes.

Confesso que estou indo embora para os braços da minha heroína.

Confesso que estou com saudades de mim.

Confesso que minha ansiedade aumenta a cada minuto e com certeza ela não vai me deixar dormir, mas vou tentar.

Confesso que estou tentando melhorar, viver minha vida novamente. Estou tentando ser diferente.

Vou viajar por uns dias tentar colocar minha cabeça no lugar, ou terminar de acabar com ela de tanto pensar.

Palavras sem sentidos, no momento não sei o que é felicidade e tão pouco posso descrever esse sentimento.
Só sei que quero ficar sozinha com minha solidão, mais sei também que uma hora vou melhorar de tudo isso. E o que vai restar é somente a doce lembrança de um dia que fui feliz, e talvez quando isso acontecer eu possa descrever o que foi a felicidade.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Faça Silêncio !



"Dirão, em som, as coisas que,
calados no silêncio dos olhos confessamos?"
Ana Priscila


ps: Aprenda a ouvir nem que seja a si mesmo *

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Brevidade do ser humano...



Me vejo como um ser diferente sem lugar exato neste momento. E paro, e penso, porque há tempos não estudo como realmente deveria, há tempos minha casa é demoniacamente silenciosa. Por que temos que ser, humanos? Odeio ser humano, cheia de defeitos e erros.
E parada aqui, olhando o maldito luar que bate na cortina, e a infeliz coruja que canta alegremente a luz da lua, tão pobre, mesmo presa, há escuridão da noite é feliz e tão longe de tudo se isola da maldita vida. E além desse infeliz mundo cheio de dor e repudio um mundo desconhecido, que eu finjo não saber existir, e me conservo na ilusão do romantismo ridículo... E minha alma começa a rir repentinamente, como num impulso incompreensivo, que reflete no meu corpo, que assumi ser de carne, de desejos, de ossos e sangue, e libero freneticamente uma gargalhada. Minha alma ri-se de tudo, de todos, de Deus.
E a partir deste instante, eu sou outra pessoa.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Escuridão já vi pior!

 
 
Chorar tudo que se perdeu,por tudo que apenas começou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim,pelo ontem morto, pelo hoje sujo, e pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei  e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas as tentativas de aproximação.
Tenho vergonha de gritar que essa dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.

Caio Fernando Abreu

domingo, 4 de julho de 2010

Sem titulo...

O blog Folhas ao chão Foi criado em janeiro do ano de 2010 para que naquele devido momento da minha vida, me ajuda-se a suportar a ausência. Nele coloquei meus sonhos, medos, sofrimento, mais agora, resolvi mudar ele completamente. Em um momento de loucura deletei o blog, mais pensando com calma vi que era uma grande bobagem fazer isso e o reativei, pois este blog já faz parte de mim e eu o amo muito. "Estou feliz" por conseguir analisar com clareza as coisas e saber melhor do que ninguém o que estou fazendo pra minha vida. Não vou dizer que mudei, pois não preciso convencer ninguém disso. As minhas atitudes mostram isso, me tornei o que eu não queria mais gosto de estar assim agora. Me sinto fria como nunca senti, e quando se sente o delicioso gosto da frieza da razão, é muito difícil querer voltar a ser emoção e fraqueza, pois é assim que agora olhando para traz vejo o que eu era. Não sinta em nenhum momento pena de mim, pois pena é um sentimento que jamais vou sentir por ninguém. O pior julgamento é o nosso mesmo.

Bom é isso para felicidade de muitos e principalmente a minha o blog está reativado Só não esperem mais eu colocar meus sentimentos nele, os próximos textos não vão mais falar da minha vida, pois a reservo totalmente pra mim, e aqueles que quiserem saber da minha vida perguntem pra mim beijos e até a próxima postagem.